quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O bem viver

Chegava no trabalho. Outro dia besta de trabalho. Quando estacionei vi o cara. Meio fora de forma, em pé na calçada, cotovelos apoiados no alto de um velho Escort metálico (daqueles que foram super "in" alguns anos depois de Cristo). Celular grudado no ouvido, alternava caretas de incredulidade e irritação. Sujeito engraçado o nosso herói. Enquanto me aproximava pensei que aquelas caretas todas podiam bem ser minhas. Identificação instantânea.  Aquelas expressões pareciam perguntar: "que mundo é esse, meu deus?", pergunta que eu mesma faço mentalmente exatas 258 vezes, todos os dias. Uns passos antes de eu passar por ele, se vira num rompante. Absolutamente chocado levanta as duas mãos bem alto como que implorando misericórdia divina.
Noto que nosso benfeitor aflito usa um relógio vistoso, quase ridículo. Daqueles prateados com fundo vermelho. Imagino de cara o figura dirigindo com o bração (e relógio) pra fora do Escort, todo pimpão.
Gruda de novo o celular no ouvido e no momento exato que passo por ele, solta quase num grito:"Olha... Se a tua vida depende mesmo de eu te emprestar esse cheque, pode começar a cavar tua cova, amigo". E desliga.
Ganas de aplaudir nosso galã. Vontade de erguer o braço do relógio bem alto, como fazem no box. Eis o campeão!
Respostas na medida que entalam na garganta. Quem nunca?
Mas não nosso herói.
Você que já catou no fundo de sua civilidade respostas educadas pra tanta gente folgada, manipuladora e sem noção, vê se aprende: compre um carro que possa pagar; assuma que o relógio que você queria mesmo ter comprado brilhava um tantinho mais, e; da próxima vez que alguém te fizer uma chantagenzinha emocional responda sem dó: pode começar a cavar!

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