quarta-feira, 10 de agosto de 2016

Visibilidade é que é superpoder


Invisibilizar é tornar invisível.

Façamos um exercício. Pense então em uma forma de tornar algo invisível. Algo médio, uma cadeira.

Você pode esconder, dentro de um armário grande ou de uma sala que nunca é usada. Em pouco tempo todos na casa vão esquecer que a cadeira existiu e se nenhum chato questionar insistentemente, ela nunca mais será lembrada.

Você pode destruir, quebrar bem e colocar em um saco de lixo ou incendiar. Para que ninguém reclame muito do sumiço, antes você deve ressaltar a desimportância desse móvel esquisito, sua inutilidade e como ela depõe contra a decoração.

Há uma forma ainda mais simples de tornar algo invisível. Você pode simplesmente desviar a atenção, desconsiderar sua existência de forma absolutamente enfática. De volta à nossa cadeira esquisitona, você pode afastá-la para um canto da sala em um dia, redirecionar a iluminação valorizando outros móveis em outro. Você pode transformá-la em outra coisa, como um suporte para alguma linda e frondosa folhagem. Em pouco tempo, se você descrever a antiga cadeira para os demais moradores, eles não terão certeza sequer que ela existiu.

Funciona. Mesmo. Se não acredita, pergunte a uma mulher lésbica. Na maior parte da vida cotidiana elas são invisíveis.

Mulheres lésbicas são muito duramente atingidas pelo machismo. Sua simples existência é usada pelo patriarcado para descrever “o pior tipo de mulher”: a que ousa não desejar a aprovação afetiva e sexual masculina, um esteriótipo de negação de tudo que se espera de uma “mulher de verdade”.

Mulheres lésbicas são registradas pela retina seletiva da sociedade apenas para terem negadas vagas de emprego e outras possibilidades de ascensão social ou quando ousam demonstrar seu afeto ou desejo em público. Só. Apenas.

Em todo o resto do tempo seguem sepultadas nas salas vazias onde ninguém entra, soterradas em papéis que não são seus quando não em sacos de lixo. Não existem nas políticas públicas, não existem nas estatísticas e nem mesmo na maioria esmagadora do movimento social. São desconsideradas das pautas ditas LGBTs. Mulheres lésbicas são invisibilizadas até no feminismo, mesmo tendo um papel preponderante e fundamental em toda a desmistificação do que seja o “papel feminino na sociedade”.

Quando Rafaela Silva conquistou a primeira medalha de ouro do Brasil esta semana imediatamente a rede se inundou das mensagens padrão dirigidas a quem vence, porque claro, todo mundo quer estar perto do cheirinho do sucesso. Sua descrição passou a ser: mulher, negra, pobre e vencedora. Nenhuma linha dita sobre a orientação sexual que Rafaela não faz questão nenhuma de esconder em seus perfis em redes sociais.

Algum hipócrita vai dizer que a vida íntima da atleta não é da conta de ninguém porque é assim que a lesbofobia opera, quando se é bem-sucedida (e olha, são incontáveis mulheres de sucesso) esta passa a ser uma informação não relevante. E por que?

Se o sucesso profissional de uma mulher heterossexual já representa uma fissura na estrutura patriarcal, que dizer destas bruxas que fogem da fogueira, do julgamento constante, do camburão, do espancamento, do estupro corretivo e dos rótulos todos para alçarem voos livres, olhando a estrutura toda lá de cima, sem nenhuma reverência?

Representatividade importa sim. Existir e ser respeitada como ser social, ser ouvida, consultada, considerada, incentivada e amparada pelas políticas públicas são direitos inegociáveis de todas as mulheres. DE TODAS.