quinta-feira, 18 de agosto de 2011

do cinismo

Correm por aí as notícias sobre trabalho escravo nas roupas da confecção Zara. Reportagem completa (excelente!) aqui.
Volta e meia, a sociedade cinicamente se escandaliza com denuncias desse tipo.
Digo cinicamente porque me parece difícil compreender que uma classe média que concebe, pratica e defende inúmeras flexibilizações (que importam apenas em perdas) dos direitos trabalhistas, se diga chocada com a existência dessa prática extrema de exploração em solo brasileiro.
Pergunto: na vida prática, no mundo real em que as pessoas aproveitam os minutos no ônibus pra organizar os carnês, quem fiscaliza a fronteira que separa trabalhadores terceirizados do chamado trabalho análogo à escravidão? O que a determina? A situação da mão de obra terceirizada legalmente empregada é mesmo tão diferente da dos escravos bolivianos da Zara? Sei bem que existem na teoria categorias para a conceituação de um e de outro. Mas e no mundo concreto e perverso do trabalho, quando a exploração típica do capitalismo se torna inaceitavelmente selvagem?

Em trecho da reportagem publicada no Vermelho lê-se:

"Empregados recebem 7 reais por blusa vendida a R$ 139 na loja

A primeira oficina vistoriada mantinha seis pessoas, incluindo uma adolescente de 14 anos, em condições de trabalho escravo. No momento da fiscalização, os empregados finalizavam blusas da Coleção Primavera-Verão da Zara, na cor azul e laranja (fotos acima). Para cada peça feita, o dono da oficina recebia R$ 7. Os costureiros declararam que recebiam, em média, R$ 2 por peça costurada. No dia seguinte à ação, 27 de junho, a reportagem foi até uma loja da Zara na Zona Oeste de São Paulo (SP), e encontrou uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha, sendo vendida por R$ 139."


DOIS reais por peça.
E nós, e eu e você? A gente faz o que? Boicota? Pode ser. É suficiente/eficiente o boicote? Me parece que não. Deixar de comprar uma peça que é sabidamente produzida com trabalho escravo é o mínimo do mínimo.
Mas muito mais importante e valioso é que a gente consiga discutir  mais amplamente formas coletivas de organização e resistência à exploração, formas coletivas de educação para o consumo também.
Precisamos falar sobre, escrever, debater. Precisamos saber que um trabalhador terceirizado não está apenas ocupando um lugar de alguém concursado ou empregado com uma gama maior de direitos. Ele não é culpado pela sua proletarização e instabilidade, meu amigo. Ali está um ser humano, por vezes submetidos a graus elevadíssimos de violência social. Pergunte quanto ele ganha por mês, qual a sua jornada diária de trabalho.
Onde se fabrica a sua grife favorita? E as suas pichinchas, quem paga?
É incomodo e é o caminho mais longo. Mas me parece o único que realmente pode conduzir a algo.
Ou praticamos uma sociedade solidária todos os dias ou não fazemos carinha de horror quando nos espanam a verdade na cara



2 comentários:

Anônimo disse...

O grande salario minimo de R$545,00 que tem tirado amilhares de pessoas da "linha da pobreza" é estabelecido pelo nosso legislativo e executivo após um ano... de debate, que representa R$ 2,48 por hora para uma jornada mensal de 220 horas,quem ´foi mesmo que a fiscalização libertou?quem são os novos escravos desse amado Brasil?Onde fica mesmo o endereço dessa confecção?vou enviar um curriculum.

Liliane Araujo disse...

O salário mínimo vigente no país, mesmo depois do ganho real da última década, está ainda muito longe de ser capaz de proporcionar ao trabalhador uma existência digna, verdade. Há muito para avançarmos.
agora, é impossível comparar a situação de uma operária com carteira assinada que tem portanto direito alem do salário mínimo (independente da produção) à jornada de oito horas, férias, horas extras remuneradas, adicional noturno, décimo terceiro salário, licença maternidade, previdência, etc com uma costureira que recebe dois reais por peça costurada e só.