Ok. Não tá fácil.
O tema: violência contra a mulher.
A primeira grande dificuldade: convencer autoridades representantes do Estado de sua existência.
Sim, sério. Autoridades policiais de delegacias especializadas seguem questionando a existência de uma modalidade de violência que tenha origem unicamente no fato da vítima ser mulher e de um entendimento de que essa condição faz sua vida e dignidade menos valiosa. Magistrados (e magistradas) seguem negando a necessidade de equipes qualificadas para lidar com vítimas nesse tipo de processo. Gestores públicos NÃO CONSEGUEM sequer fazer uma fala qualificada de cinco minutos sobre a própria responsabilidade no enfrentamento desta modalidade de violência, o que dizer então de sua capacidade de elaborar e implementar políticas públicas. Nosso legisladores (no masculino mesmo) são o retrato em pior ângulo de uma sociedade que tolera, ou pior, acoberta a violência doméstica, o abuso sexual nos ambientes familiares e de trabalho e a cultura do estupro.
Sinceramente? É desesperador pensar que algum avanço depende desse sistema tão despreparado e que sequer reconhece na prática cotidiana a existência da violência que nos oprime.
Segunda grande dificuldade: nós. As inúmeras voltas que nossas teorizações sobre o tema tem dado atrás do próprio rabo, nossa infinita disposição para discutir pormenores entre nós mesmas quando o mais lógico seria simplesmente acolher as diferenças e recortes todos buscando ampliar e fortalecer um movimento que tem muito mais inimigos que aliados, o feminismo. Como ficamos tão ocupadas em militar na corrente mais avançada e mais "correta", não raramente perdemos de vista a crueldade e o tamanho do inimigo. Se tivéssemos mais presente o fato de que mulheres que não conhecem todas as vertentes, raízes e linhas de pensamento feminista são espancadas, estupradas, abusadas e mortas todas as horas do dia não teríamos tempo pra fazer mais nada além de lutar e amparar, lutar e acolher, lutar e defendermos umas às outras. É claro que devemos estudar, debater e refletir para melhor interagirmos, o que não podemos é nos perdermos nesse caminho a ponto de nos tornarmos absolutamente irrelevantes na vida de quem mais precisa do feminismo.
Feminismo que não serve para TODAS as mulheres, não serve pra nenhumas delas. Como exemplo: adolescentes, negras, idosas, transexuais, desempregadas, analfabetas funcionais são mulheres que tendencialmente estão expostas a um nível de vulnerabilidade maior e tem lutas específicas a protagonizar dentro do movimento feminista e devem contar com os seguimentos mais "privilegiados" como seu escudo e espada.
O desafio: emancipar. É isso, né? A superação, ou vá lá, o combate a violência contra a mulher pressupõe a emancipação feminina, seu empoderamento através do autoconhecimento e consequente elevação de sua autoestima, sua autonomia financeira, ampliação de seus horizontes intelectuais e culturais e uma inserção na sociedade com atuação política consciente.
É nesse ponto que penso que temos ousado pouco e reproduzido preconceitos.
Neste final de semana ouvia uma explanação sobre determinado programa, que conta inclusive com verba federal, onde se apontava como ações realizadas "cursos rápidos de pintura em tecido, bordado e produção de sabão em barra a partir de óleo de cozinha descartado." Eu peço perdão a quem realmente acredita que está transformando vidas assim mas humildemente discordo demais. Esse tipo de ação em clubes de mães, em grupos de idosas ou como atividade suplementar em algumas escola de ensino médio é muito bem vindo. É bacana, é terapêutico, é socializante, CLAARO QUE É.
Mas como política de inserção no mercado de trabalho? Como alternativa de renda pra mulher que precisa se libertar de um marido violento? Como elemento de empoderamento e elevação da autoestima? É deprimente, é pouquíssimo. É sério que não conseguimos nos desafiar mais? Oferecer como nova perspectiva cursos de pintura e sabão não é perpetuar a ideia de que o nosso mundinho é esse mesmo, doméstico e paupérrimo?
Mulheres que vivem em situação de violência precisam de dinheiro de verdade, de trabalho de verdade. Precisam de carteira de trabalho, de carteira de habilitação. Precisam de cursos profissionalizantes em algo que possa empregá-las, precisam se transformar em competentes comerciárias, torneiras mecânicas, operadoras de ponte, domésticas, cabelereiras, motoristas. Mulheres em situação de violência precisam superar o analfabetismo funcional, precisam fazer ENEM, precisam fazer o CEJA. Elas precisam de discussões organizadas que as coloquem de frente com a dura realidade em que estão inseridas e não de uma psicóloga que entra furtivamente para "pincelar" um tema "delicado' entre um cursinho e outro. Essas mulheres precisam escrever e ler bem, precisam fazer conta de cabeça, precisam se localizar geograficamente dentro da sua própria cidade. As mais idosas precisam ter seus direitos a aposentadoria atendidos, as mais debilitadas precisam de espaços físicos seguros e limpos. As muito jovens precisam ser jovens, ter sua juventude protegida e educação garantida. E tudo isso com muita urgência, quem apanha tem pressa.
É difícil? Óbvio. Precisamos, nós feministas, nós movimento social, acreditarmos nessas mulheres, na sua capacidade, precisamos brigar por elas e ensina-las a brigar também. brigas por MAIS. Precisamos de cotas no PRONATEC pra essas mulheres, incentivos fiscais para suas contratações, sei lá... Precisamos ousar muito mais, cobrar muito mais de quem está fazendo.
Não é porque é política para mulher vítima de violência que qualquer coisa serve. Não é porque as dificuldades são imensas que a gente deve limitar nossas expectativas e os horizontes da nossa luta.
O tema: violência contra a mulher.
A primeira grande dificuldade: convencer autoridades representantes do Estado de sua existência.
Sim, sério. Autoridades policiais de delegacias especializadas seguem questionando a existência de uma modalidade de violência que tenha origem unicamente no fato da vítima ser mulher e de um entendimento de que essa condição faz sua vida e dignidade menos valiosa. Magistrados (e magistradas) seguem negando a necessidade de equipes qualificadas para lidar com vítimas nesse tipo de processo. Gestores públicos NÃO CONSEGUEM sequer fazer uma fala qualificada de cinco minutos sobre a própria responsabilidade no enfrentamento desta modalidade de violência, o que dizer então de sua capacidade de elaborar e implementar políticas públicas. Nosso legisladores (no masculino mesmo) são o retrato em pior ângulo de uma sociedade que tolera, ou pior, acoberta a violência doméstica, o abuso sexual nos ambientes familiares e de trabalho e a cultura do estupro.
Sinceramente? É desesperador pensar que algum avanço depende desse sistema tão despreparado e que sequer reconhece na prática cotidiana a existência da violência que nos oprime.
Segunda grande dificuldade: nós. As inúmeras voltas que nossas teorizações sobre o tema tem dado atrás do próprio rabo, nossa infinita disposição para discutir pormenores entre nós mesmas quando o mais lógico seria simplesmente acolher as diferenças e recortes todos buscando ampliar e fortalecer um movimento que tem muito mais inimigos que aliados, o feminismo. Como ficamos tão ocupadas em militar na corrente mais avançada e mais "correta", não raramente perdemos de vista a crueldade e o tamanho do inimigo. Se tivéssemos mais presente o fato de que mulheres que não conhecem todas as vertentes, raízes e linhas de pensamento feminista são espancadas, estupradas, abusadas e mortas todas as horas do dia não teríamos tempo pra fazer mais nada além de lutar e amparar, lutar e acolher, lutar e defendermos umas às outras. É claro que devemos estudar, debater e refletir para melhor interagirmos, o que não podemos é nos perdermos nesse caminho a ponto de nos tornarmos absolutamente irrelevantes na vida de quem mais precisa do feminismo.
Feminismo que não serve para TODAS as mulheres, não serve pra nenhumas delas. Como exemplo: adolescentes, negras, idosas, transexuais, desempregadas, analfabetas funcionais são mulheres que tendencialmente estão expostas a um nível de vulnerabilidade maior e tem lutas específicas a protagonizar dentro do movimento feminista e devem contar com os seguimentos mais "privilegiados" como seu escudo e espada.
O desafio: emancipar. É isso, né? A superação, ou vá lá, o combate a violência contra a mulher pressupõe a emancipação feminina, seu empoderamento através do autoconhecimento e consequente elevação de sua autoestima, sua autonomia financeira, ampliação de seus horizontes intelectuais e culturais e uma inserção na sociedade com atuação política consciente.
É nesse ponto que penso que temos ousado pouco e reproduzido preconceitos.
Neste final de semana ouvia uma explanação sobre determinado programa, que conta inclusive com verba federal, onde se apontava como ações realizadas "cursos rápidos de pintura em tecido, bordado e produção de sabão em barra a partir de óleo de cozinha descartado." Eu peço perdão a quem realmente acredita que está transformando vidas assim mas humildemente discordo demais. Esse tipo de ação em clubes de mães, em grupos de idosas ou como atividade suplementar em algumas escola de ensino médio é muito bem vindo. É bacana, é terapêutico, é socializante, CLAARO QUE É.
Mas como política de inserção no mercado de trabalho? Como alternativa de renda pra mulher que precisa se libertar de um marido violento? Como elemento de empoderamento e elevação da autoestima? É deprimente, é pouquíssimo. É sério que não conseguimos nos desafiar mais? Oferecer como nova perspectiva cursos de pintura e sabão não é perpetuar a ideia de que o nosso mundinho é esse mesmo, doméstico e paupérrimo?
Mulheres que vivem em situação de violência precisam de dinheiro de verdade, de trabalho de verdade. Precisam de carteira de trabalho, de carteira de habilitação. Precisam de cursos profissionalizantes em algo que possa empregá-las, precisam se transformar em competentes comerciárias, torneiras mecânicas, operadoras de ponte, domésticas, cabelereiras, motoristas. Mulheres em situação de violência precisam superar o analfabetismo funcional, precisam fazer ENEM, precisam fazer o CEJA. Elas precisam de discussões organizadas que as coloquem de frente com a dura realidade em que estão inseridas e não de uma psicóloga que entra furtivamente para "pincelar" um tema "delicado' entre um cursinho e outro. Essas mulheres precisam escrever e ler bem, precisam fazer conta de cabeça, precisam se localizar geograficamente dentro da sua própria cidade. As mais idosas precisam ter seus direitos a aposentadoria atendidos, as mais debilitadas precisam de espaços físicos seguros e limpos. As muito jovens precisam ser jovens, ter sua juventude protegida e educação garantida. E tudo isso com muita urgência, quem apanha tem pressa.
É difícil? Óbvio. Precisamos, nós feministas, nós movimento social, acreditarmos nessas mulheres, na sua capacidade, precisamos brigar por elas e ensina-las a brigar também. brigas por MAIS. Precisamos de cotas no PRONATEC pra essas mulheres, incentivos fiscais para suas contratações, sei lá... Precisamos ousar muito mais, cobrar muito mais de quem está fazendo.
Não é porque é política para mulher vítima de violência que qualquer coisa serve. Não é porque as dificuldades são imensas que a gente deve limitar nossas expectativas e os horizontes da nossa luta.
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