domingo, 24 de janeiro de 2010

Pandora, meu golfinho assassinado e a inesperada visita de sua descendência

Durante toda minha infância e adolescência, alugavámos casas para passarmos alguns dias das férias de Janeiro no litoral. Mesmo antes, quando ainda morávamos em Floripa, nunca moramos perto da praia. Então, quando os parentes que viviam no oeste chegavam, íamos todos para perto do mar. Bons tempos.

No último dia de uma dessas temporadas, eu devia estar com uns dezessete anos, acordamos todos muito cedo para organizarmos nossas coisas e deixarmos a casa. Algo em torno de cinco e meia da manhã. Resolvi aproveitar os últimos minutos e fui até a praia me despedir do mar. Não lembro se havia alguém comigo, acho que não.

A cena que me aguardava jamais me abandonou.

Ali na areia, morto, muito machucado, havia um grande golfinho.

Já os tinha visto outras vezes, de longe, depois da arrebentação. Estavam sempre acompanhados, passeando despreocupados ou pulando exibidos para uma plateia boquiaberta.

Lembro de ter ficado completamente sem ação. Procurava com os olhos no horizonte, para um lado e para outro, alguém que pudesse nos ajudar, a mim e a ele. Mas incrivelmente, estávamos sós naqueles minutos tão tristes. Fiz companhia o tempo que me foi possível, chorando sentida numa espécie de velório que durou até a chegada de um homem que vinha de longe dizendo com sotaque bem manezinho: -Que judiaria, né? Será que foi rede?

Tudo isso não deve ter durado mais que alguns poucos minutos. Na volta à casa, contei o que tinha visto, mas vocês sabem a atenção dada ao sofrimento adolescente. Assim, sem plateia, meu luto acabou sendo bastante curto.

Avaliando agora, penso que a cena era de fato forte. E que talvez hoje, ela tivesse ainda mais impacto em mim, pela simbologia que na época me fugia, ao menos conscientemente.

Muito ocasionalmente lembro do meu amigo do mar.

Ainda outro dia, assistindo à deliciosa aventura Avatar, com toda a poesia de seus personagens tão inegavelmente conectados à natureza do mundo em que vivem, aquela imagem voltou a me visitar. Talvez naquele choro adolescente houvesse também uma conexão parecida. Um palpite de que os ferimentos naquele ser tão majestoso quanto indefeso, pudessem também me atingir.

Eis que hoje, retornando para o que resta das minhas férias, de volta à barraquinha, saio para um passeio pela praia. Depois do banho de mar, quando me preparava para voltar, as pessoas na areia começam a apontar para além da arrebentação. Procuram os filhos, sacam as filmadoras, os celulares modernosos. - Mira, mira! - Olha filho, lá bem no fundo. Fica olhando, já vai aparecer.

Lá estão. São três. Passeiam alheios ao burburinho. Não estão dispostos a muitos saltos. Fico imaginando que talvez estejam ainda um tanto ressentidos.

Com os pés grudados na areia e um arrepio correndo pelo corpo, observo toda a passagem deles, que se afastam, que somem mar adentro.

E, se me sinto conectada vez ou outra àquela dor de seus ferimentos, também experimento agora algo de sua liberdade. É meu presente de final de férias.




Ps.: Texto dedicado a Volnei, pai de Anita. Capaz de enxergar as muitas conexões. Bom homem e bom amigo que aniversariou semana passada.

2 comentários:

Nani Binder disse...

Não digo mesmo!!!!! Essa mulé tem que escrever um livro....
Xuxuzinha, vai virar best seller...
Quero ser a 1ª a ganhar autógrafo.

Lindo lindo...viajei na sua história.

Bju: )

Liliane Araujo disse...

Não vale, tu é um docinho, hehe.
Bjo, amiga.