sexta-feira, 15 de junho de 2007

À noite

O casal do apartamento 1013 acabou de chegar. Ela forçou uma barra para irem num desses jantares megacaros comemorarem a data. Mal se falaram a noite toda. Ele não reparou no cabelo. Ela não percebeu o esforço sincero feito por ele para afastar da cabeça o dia que tivera. O telefone dele tocou. Ele desligou. Ela viu. Ele gostaria de contar como anda preocupado com algumas coisas. Ela tenta lembrar da última vez que se sentiu tão só. Ele queria ter dito ainda antes de saírem o quanto ela está cheirosa.

Oito andares abaixo, em um dos apartamentos de fundos, encostado na pia da cozinha um jovem bebe uma cerveja gelada. Ri sozinho lembrando da vergonha que sentiu quando se viu fugindo do trabalho no meio da tarde para comprar um lençol e algumas toalhas novas. Quando abre a porta, recebe um beijo de respiração ofegante que traz toda a agitação do mundo de fora. Ela entra se desculpando pelo atraso e reclamando do trânsito. Íntima de cada centímetro daquele espaço, vai se desfazendo da bolsa no sofá, do casaco na cadeira logo a frente. Antes de chegar ao banheiro começa a perceber a arrumação desajeitada ao seu redor. Quando enxerga da porta do quarto, as pétalas espalhadas no colchão, vai escorregando devagar até o chão. Sentando à sua frente, ele oferece um gole.

Mesmo do elevador se ouve ali pela altura do quinto andar, o som de música e vozes. Algumas delas se conhecem há tempos, outras foram chegando recentemente. É mais uma das felizes reuniões que fazem sempre que dá e onde mesmo as pequenas tragédias do cotidiano se transformam em riso frouxo. Essa noite a muvuca é maior. Bolaram até um amigo secreto. A jantinha hipercalórica vai ficar registrada nas muitas fotos também.

No apartamento ao lado, alguém está na sacada. Sem dormir há umas trinta horas ela nem escuta os ruídos da festa. Não foi trabalhar, não ligou para os pais. Esqueceu de devolver os filmes na locadora e não abriu a porta para a diarista. Mais que roupas e livros, a sensação é de que ele levou tudo quando foi embora. Tudo exceto o telefone que pode tocar a qualquer momento.

A menina do 0305 saiu agorinha. Estava linda. A mãe escondia um sorriso nervoso, como se fosse ela que saísse pela primeira vez para uma dessas noites especiais. É só uma pizza, apenas duas quadras dali, mas o pai acha muito cedo. E porque não pôde levá-los? E agora, a que horas vão conseguir dormir? Comovida ela larga a caneca num canto da mesa e vai até o sofá. Afastando a revista olha dentro dos olhos do homem. Naquele silêncio curto é contada a história de todo o percurso que fizeram até ali. Ele ri desarmado. Ela faz pouco – Feliz dia dos namorados, rabugento.

* Imagem: Floripa a noite

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