sábado, 23 de maio de 2009

Desamparo


- Amor, tá na minha hora. olho no bebê, viu.

- Você vai aonde?

- Eu tenho hora com a Ana, no salão. Lembra? Eu te falei ontem.

A pergunta foi retórica. O que eu queria dizer era: Não vai, por favor!

Toda vez que ela está saindo pela porta essa frase quase me escapa. Fico pensando quais dos meus atos cotidianos levam a Vera a pensar que eu seja capaz de cuidar do Victor.

Todas as rotinas de organização dessa casa me são completamente estranhas. 
Esses três anos em que estamos juntos têm sido os primeiros da minha vida adulta numa casa com tapetes, escumadeira e mais de três copos. E, sendo eu a parte da relação que sequer sabe onde encontrar um Band-aid, fico pensando como pode ela achar que eu consiga, ainda que por pouco tempo, pra uma ida dela à padaria ou à farmácia... Peraí!

- Amor, deixa que eu vou.

-Vai aonde, homem?

- Onde você tinha de ir. Onde é mesmo?

- Você tá brincando, ? Diga que você me ouviu. Que ouviu já ontem quando nós combinamos que eu, depois de quase quatro meses, iria hoje ao salão fazer as unhas e cortar meu cabelo.

- Cortar? Más tá lindo...

  - NÃO. Não está, Zé.

 Pronto. Agora ela está com aquela cara. Duas frases estúpidas. SEGUIDAS. Olha ela ali, entrincheirada. Pintada pra guerra. Presta atenção, Zé. Tem uma mira vermelha apontada pra sua testa nesse exato momento.

- Verinha... ! Não fica brava. É que, sei lá. Você não acha o Victor meio novinho pra ficar tanto tempo sozinho? Eu lembro como demora esse lance de salão.

- Mas ele não vai ficar sozinho. VOCÊ vai estar com ele.

O que é isso, homem?! Olha o jeito que ela está falando contigo, seu bosta.
Tudo bem. A ponderação não funcionou. Plano B: imposição do provedor.

- Olha só. Eu tô cheio de coisas da faculdade pra corrigir, Vera. Tudo com prazo estourando.

- Eu não vou responder isso. Porque se eu responder, vou me atrasar, ok? Eu sei que você não se sente muito seguro pra ficar com o pequeno, mas precisa tentar. Olha pra ele... Tá dormindo tão gostoso. Talvez nem acorde antes de eu voltar.

- E se acordar, Vera? Se acordar faminto, chamando por você?

- Bom... Aí você terá testemunhado um milagre. Ele tem três meses e não chama ninguém, querido.

- Engraçadíssima! Sério... E se ele ficar com fome?

- Aí você da o leite que eu tirei e deixei na geladeira pra uma emergência. Mas vê lá, não vai dar gelado. Aquece até ficar na temperatura que sai do peito.

- Agora é você que está brincado, ? "Temperatura que sai do peito"? Tem essa marcação no termômetro?

- Aiii... atrasada, amor. Olha só... Fica tranquilo. Se eu achasse que você não daria conta, eu não sairia.

- Mentira.

Confesso, essa foi com direito a cara de magoado. Tá ficando constrangedor, eu sei. Mas é a vida e bem estar do Vitinho (e meu) que estão em jogo.

- Reclamão. Sabe o que eu vou fazer? Vou colocar aquele esmalte vermelho bem escuro que você adora. Voltar bem linda. O que você acha?

- O vermelho, é?

José Roberto, teu sobrenome é remorso. Ela tinha sempre as unhas vermelhas e impecáveis quando começamos a sair. Mãos branquinhas e macias, com anéis e uma gota de perfume docinho no pulso.

- Tá bom, amor. Eu dou conta. Divirta-se e volte ainda mais linda, se acha mesmo que é possível.

Boa, garoto. Finalmente uma dentro.

- Lá vai a mamãe, garotão. Toda saltitante. Ô diacho de mulher, viu.

-Peraí!! Já?

- Eu sabia que você estava fingindo. Sabia que assim que ela saísse você ia abrir esses olhinhos pilantras

-Vem cá, meu campeão. Eu sei o que você quer. Tá com saudade da Neusa, ? A gente desenrola.

- Alô, mãe? Tudo. Tudo bem, sim. E a senhora? Ele tá aqui. Estamos só nós dois em casa. A Vera? Tá no salão. Pois é... Eu disse pra ela. Mas a senhora sabe como a Vera é... 




2 comentários:

Cris disse...

Lili!!!

Ameeeeiiii...

Lindo mesmo...

Bjkas

Liliane Araujo disse...

Linda é tu, frô!
Brigadão pela visita e carinho.