quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Subliteratura ou minha epopeia regional - Parte I

Fiquei duas horas parada hoje numa rodoviária de um pequeno município aqui da região. Saiu isso que tá aí embaixo. Quase nada inventado.


Eu sei que consigo. O segredo está na respiração. Inspirar demoradamente pelo nariz. Soltar o ar pela boca prestando atenção nas batidas do coração. É assim que a gente lida com momentos de impotência.

No começo do mundo era assim, né?! A internet é uma invenção da década de setenta. A TV também é relativamente recente. Jornal impresso não. Podia ter um jornaleco aqui. 

Mas o fato é que acontece com todo mundo ficar, em algum momento, sem alternativa nenhuma que não seja esperar. Sentar e esperar. Inspira, expira, tumtum, tumtum.

Ajuda a passar o tempo fazer um exercício de contemplação do cenário.

Por exemplo, reparei que tem lugar para cinco ônibus chegarem ao mesmo tempo. Sinal de que os administradores esperam que a cidade ainda cresça muito.
Opa! Chegou um. Não é um ônibus de verdade. É pouco maior do que uma van (mais alguém tem vontade de chamar van de besta?). Tem um adesivo daqueles com uma nossa senhora dentro de um rosário, outro de uma romaria em honra à nossa senhora da Salete, e mais um ainda com um santo. É São Cristóvão, acho. Ou São Francisco. E olha, na condição em que se encontra a Besta (pronto, falei), declino de minhas convicções céticas para reconhecer que talvez seja mesmo o caso de recorrer a uma proteção extra.

Quem fala de desmatamento e dos efeitos nocivos advindos dele, nunca esperou um ônibus aqui por uma hora e meia. Olhando pra esse tanto de mato é difícil a beça acreditar que o verde do mundo pode acabar.
E não me levem a mal, eu amo paisagens verdes e esse barulho de passarinho cantando. Estava ainda agora pensando em como deve ser bom acordar com essa paisagem todos os dias da vida. Cinismo involuntário meu, evidente. A verdade é que desde que assisti "A viagem" e fui apresentada ao céu do Antônio Fagundes, eu tenho agonia dessa ideia de viver para sempre em um grande gramado. Pode o céu ser mesmo um campo de golfe? Não lhes parecia uma espécie de "paraíso equino", aquele gramadão sem fim?

Tem uma lojinha aqui dentro da rodoviária. Dessas com todo tipo de traquitana. Quanto não viajou aquele controle de vídeo game que brilha no escuro? Deve ter vindo em um container, dentro de um cargueiro, lá da China. Depois, mais horas de viagem escondido no ônibus do Paraguai até aqui. E você ainda reclama da Reunidas Transportes Terrestres... Vai nascer traquitana made in China pra ver o que é bom.

O tempo não passa. Fui até a lojinha perguntar se vendiam carregador para celular. Não. Vende filme pornô pirateado, bolsa da Hugo Boss (você precisa da informação"igualmente pirateada"?), mas carregador não.

Eu podia puxar conversa com alguém, tentar me enturmar e tal... Ããh? Pronto, agora estou ficando maluca. Acorda Doroty! Você não consegue se enturmar nem com seus vizinhos no prédio onde mora.

Ontem a noite eu tirei uma revista da bolsa. Tirei a revista e o carregador do telefone. Burra. Podia ouvir uma musiquinha, quebrar meu recorde no jogo da vaquinha abduzida... Burra.

Se eu tivesse bateria, fotografaria os quadros pendurados na parede daqui. Devem ser de autoria da filha caçula do prefeito. Se eu for tentar descrever, vocês vão me chamar de azeda, e eu até sou. Mas eita talento escondido. Feios demais. O tema das obras?" O caos da mobilidade urbanda nas grandes metrópoles". Sério? Dã!! Não. O tema são (tcharaaannnn!) flores e passarinhos.

Tem um cara ali fora, um homem meio jovem... Todo mundo parece meio receoso de ficar perto dele. Provavelmente porque ele conversa eloquentemente com algumas pessoas. Pessoas que só ele vê, entende?
Sendo eu a única pessoa sozinha e sem nada para fazer em um raio de, sei lá, vários quilômetros daqui, em minutos ele estará sentado ao meu lado me apresentando seus amigos imaginários.

Vou voltar na lojinha ver se o moço tem uma caneta para me emprestar ou, vá lá, vender. Fazer uma cara de ocupada enquanto rabisco alguma bobagem. Uma caneta ou uma granada de mão. Daqui de fora enxergo algo que pode ser um bastão de jogar taco. Também serve.

6 comentários:

Ári disse...

Você é o máximo... mesmo quando está sendo sarcática. Usar isso na escrita imprime um estilo todo próprio, engraçado.O texto está ótimo. Beijo amiga.

Fantasma disse...

Realmente, não consigo imaginar o paraiso um gramadão, será assim mesmo? E vida após a morte, será que viveremos novamente e teremos uma chance de consertar os erros cometidos numa vida anterior? Sinceramente? Não acredito, mas respeito quem acredita. Gostei do texto bem interessante e estarei aqui ligado na segunda parte.
AH! será que esse verde todo que vc viu um dia se acabará? Do jeito que as pessoas tratam do meio ambiente, sim. Mas, mesmo assim eu acredito que um dia as pessoas cuidaram mais do nosso belo mundo(eu cuido e faço minha parte) e espero que toda essa paisagem perdida pelo nosso Brasil não se acabe nunca. Viva a SUSTENTABILIDADE. Abraço.

Nani Binder disse...

Caraca pirua...
Vc tem o dom de tele-transportar a gente pra qualquer situação!!!!
Consegui até ouvir os passarinhos, só não consegui imaginar os amigo imaginários - ainda bem né?
Show...amo amo ;)
Beijoka =)

Nani Binder disse...

Ops...comi um "s" ...mas tá valendo =D
A fome tá geande a essa hora huahuahua

Nani Binder disse...

Ai não...desisto huahuahua

Liliane Araujo disse...

Beijão pr'ocê, Ári querida. Elogios desta ordem vindos de ti tem peso dois, claro.

Acaba sim, Dinho. Obicho homem é capaz dessas mágicas, rsrs. Viva à Sustentabilidade! hehe. Abração.

Kkkkkkk, Nani querida, realmente foste teletransportada para o ambiente do texto, daí o sumiço dos esses, rsrsrs. Você é um docinho. Amo tu.