segunda-feira, 20 de julho de 2009

Dico


Vovó olhava desconsertada a fatia de bolo que derrubara. Ninguém agora, com certeza, prestava a menor atenção naquela porção de glacê no chão.

A entrada daquele homem de passinho apressado, esfregando as mãos para espantar o frio, parecia ter paralisado a todos.

Poderia estar acontecendo? Seria sonho? Cada passo dele nos dizia que não.

Ele sabe exatamente o que estamos sentindo, mas age como se tivesse nos deixado ontem, como se tivesse partido a pouco, em mais uma de suas andanças. É intencional, penso eu. Afinal, como se volta pra casa? Como se chega para o almoço de natal, passados já mais de dez anos?

Talvez, diante de uma situação tão surreal a ação mais esperada fosse essa mesmo, tentar fazer tudo um pouco mais natural.

Todos correm acudir vovó. Não porque grite ou chore, mas porque seus olhos continuam fixos no chão e no bolo.

Porém, quando finalmente puxa o fôlego e se levanta da velha poltrona coberta com a manta de crochê, aquela mulher parece absolutamente serena.

Estendendo as mãos, ela toca o rosto do filho que perderá já criado, homem feito. É ele. O mesmo sorriso de olhos marejados. Nada mudou, nenhum traço, nem uma única marca daquele acidente estúpido que o havia tirado de todos. Não envelheceu um único dia. Nem se curou de suas mazelas. Em uma das mãos ainda lhe falta o dedo mínimo e é questão de tempo até que ele mesmo tome a iniciativa de alguma piada a respeito.

Quando finalmente mãe e filho se abraçam, todos parecem voltar a respirar. As expressões, as mais variadas, voltam aos rostos. Um pequeno tumulto começa, e parece crescer a cada minuto.

Todos estão agora cheios de perguntas: Mas como é possível? Onde você esteve? Enganou a todos? É um anjo? Viu alguém?

A nada ele pode responder. Não sabe. Sabe que estava, que ficou muito tempo sem estar, e que agora voltou, ao que parece, pra ficar.

Cresce a movimentação.

- É preciso avisar aos filhos.

- Alguém me passa o telefone.

- Quem acreditará?

- Tantas coisas pra te contar...

- A empresa faliu.

- Que pena seu pai não estar aqui.

- Você já é avô, sabia?

Ele ouve de olhos arregalados, em êxtase, com aquela felicidade que traz consigo quem chega de muito longe.

Agora, todos sentados conforme a possibilidade, cada um dá um jeitinho de ficar próximo dele, do seu olhar. Mais e mais gente vem chegando. Nem percebemos o cair da tarde.

Eu também estou ali. Finalmente consigo tocá-lo. Quero contar que tenho filhos e que são tão lindos. Que fiz coisas que eu não sabia que seria capaz, e que meus argumentos, talvez apenas ele pudesse entender.

Mas depois. Não agora. Agora me basta contemplar a felicidade de todos nós.


4 comentários:

Unknown disse...

... e eu odeio quando me fazem chorar no trabalho...

Liliane Araujo disse...

Beso, cariño.

Ári disse...

Lindo conto, lindo sonho.Onde quer que ele esteja, tem orgulho de você.
Beijos

Liliane Araujo disse...

Bjoca, amada. Brigadim.